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Escrita com Norte: Alimentar o ego

Chegado, entro de gatas e ligo o computador à procura de uma fotografia minha, quando jovem, para “postar” no Facebook, na esperança de receber muitos “likes”, para recarregar o ego. Não existia, estavam todas no meu álbum de fotografias de papel (que é como eu gosto de as ver e de ler os livros) …pois, já tenho alguma idade!

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-Ui! Quem é aquele?! Ah, Sou eu! – os ombros tombam derrotados e o corpo perde a postura.
Este é quase sempre o primeiro pensamento do dia, ainda em estado de semi-consciência, após sair da cama, quando me olho ao espelho.
Necessitado de um sopro de estímulo para encher o ego, volto ao quarto, sempre em estado de semi-consciência, e sacudo a Cristina, minha mulher, mesmo sabendo do perigo que corro ao tentar acordá-la, enquanto dorme como um anjo (lembram-se do que a miss Piggy fazia ao sapo Cocas? Quando contrariada, pregava-lhe um chapadão com a parte de trás da mão e o pobre do sapo desaparecia a voar)!

– Uh, uh,…morzinho!
Em resposta ouço um grunhido e insisto:

– Morzinho, quem é bonito? Sou eu, não sou?
Em resposta, e contra o que fazia prever, em vez de um lançamento de braço à minha cara, ouço:

– Deixa-me dormir. – e vira-se para o outro lado.

De regresso à casa de banho, fixo uma fotografia minha com muitos anos e, “Que bonito”, pensei!
Tomo banho e regresso o quanto antes para a frente do espelho ansioso por ver a minha imagem renovada. Entusiasmado, fico à espera cerca de cinco minutos que o espelho desembacie. Aos poucos a minha imagem vai aparecendo reflectida e…

– Ooooooh! Deve ser da barba!

Decido apará-la e abandonar o aspecto de pato. Ligo a máquina que encostada à pele vai abatendo pêlo a pêlo, dando-me um gosto especial quando são os brancos a tombar. Terminado o abate piloso, o sorriso que se fazia adivinhar, fecha-se. Estava muito melhor, mas não estava um cisne, “É das brancas que já tenho no cabelo!”, pensei.

Vesti-me decidido sobre o que fazer, iria ligar à dona Tininha, minha mãe. Deixei o telefone tocar meia dúzia de vezes e não me atendeu.

Saio de casa para um passeio matinal. Apesar do frio, gosto dos dias assim, luminosos, cujos raios carregam os níveis de serotonina, e aos poucos me fazem pensar, “Que interessante que eu sou!” e prossigo o passeio com um sorriso parvo, que supera o de Bridget Jones, ajudado pelo facto de ter passado por três idosos, com mais rugas do que eu, nitidamente.

Já a manhã estava a terminar e decido ligar novamente à minha mãe…o mesmo, não me atendeu. Estranhei, porque o que ela mais gosta é de estar e conversar com os filhinhos!
Vou para casa, ansioso que cheguem as cinco horas.

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A essa hora, pego no saco e vou para a minha futebolada com a malta…é um dos momentos mais apreciáveis da minha vida. Sou o segundo mais novo, o mais rápido, o mais bonito, o mais elegante e com mais cabelo. Estamos todos em campo, eu mais feliz que os outros, e o gordo e anafado do Joca não aparece. Com menos um, o Toni pede a um jovem se quer jogar. Ele aceitou e foi o pior que aconteceu, apesar da minha equipa ter ganhado! Passei a ser o terceiro mais jovem, deixei de ser o mais rápido e o mais elegante, não tinha menos cabelo, mas tinha mais brancas…quanto a ser mais bonito, estava ansioso por falar com a minha mãe.

No final, e depois do banho, saio do pavilhão e vou directo para casa a ouvir no carro “Joy Division” e a esvaziar-me de auto-estima! Chegado, entro de gatas e ligo o computador à procura de uma fotografia minha, quando jovem, para “postar” no Facebook, na esperança de receber muitos “likes”, para recarregar o ego. Não existia, estavam todas no meu álbum de fotografias de papel (que é como eu gosto de as ver e de ler os livros) …pois, já tenho alguma idade!

Com a lágrima quase a rolar pela face, ligo à minha mãe e ela atende:

– Mamã, quem é o mais bonito do mundo?

– És tu e o teu irmão, meu filho!

– Sim! Mas o mais bonito e interessante? – insisto.

– Sois os dois! – responde-me.

E chorei!

Qualquer semelhança entre esta estória e a realidade pode não ser pura ficção.

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