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Folha Liberal: Não há corrupção boa!

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Há alguns dias, o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, veio a público defender todos os envolvidos no caso das gémeas Luso-Brasileiras tratadas em Portugal, chegando ao ponto de dizer que, se isso é ser corrupto, também ele quer ser corrupto.
À primeira vista, olhando para os factos superficialmente, pode parecer meritório salvar duas crianças, e provavelmente toda a gente gostaria de ter a possibilidade de salvar duas crianças. O problema é que olhar para este caso como alguém que salvou duas crianças é de uma inocência que também nos devia tocar a todos.

Digo isto, porque este caso não tem nada a ver com isso. Para começar, não é nada consensual que o tratamento que as meninas fizeram em Portugal tenha salvo as suas vidas. Há, aliás, pelo que tenho visto e ouvido, muitas mais opiniões a defender o contrário, o que faz com que se perceba que o Senhor Bispo não está muito ao corrente do que verdadeiramente se passa.
Por outro lado, D. José Ornelas defende que cunhas que salvam vidas não fazem mal a ninguém, o que também não é verdade.

Sempre que alguém ‘fura a fila’, há alguém que fica para trás. No caso da saúde, é ainda pior, porque ‘salvar duas crianças’ por efeitos de uma cunha pode fazer com que muitas outras morram por não terem acesso aos serviços médicos a ‘tempo e horas’.

Defender que há corrupção boa, em resultado do seu fim, parece-me extremamente perigoso. Parece-me moralmente inaceitável a ideia de que os fins justificam os meios, porque isso levaria a que houvesse sempre uma boa justificação para as cunhas e para a corrupção.

Se os fins justificassem os meios, dar um jeitinho ou meter uma cunha, para agilizar as licenças para uma mina de lítio, ou para a instalação de um centro de dados onde não era permitido, tudo isso pode ser válido, porque no limite, há sempre alguém que sai a ganhar.

O problema é que com a corrupção, só os corruptos é que ganham, enquanto todos os outros saem a perder. A corrupção (e as cunhas) é um abuso de poder para obter ganhos pessoais, violando a ética e a legalidade.

Se esse medicamento era assim tão essencial e realmente salvava a vida dessas crianças, não devia ser preciso meter nenhuma cunha; bastaria seguir os caminhos normais e estabelecidos.
Atrevo-me a discordar também do Reverendíssimo Senhor Bispo noutro aspeto: a Igreja tem, e deve ter, uma predileção pelos pobres, pelos excluídos, pelos mais vulneráveis. Ora, aceitar que uma cunha pode ser boa é fazer exatamente o contrário. Os pobres, os excluídos e os mais vulneráveis não têm acesso a cunhas, e por isso ficam cada vez mais para trás.

Atrevo-me também a apelar ao Reverendíssimo Senhor Bispo, enquanto mais alto representante da Igreja Católica em Portugal, a que diga qualquer coisa sobre o estado da saúde em geral no nosso país, sobre o facto das muitas urgências fechadas (ou com constrangimentos, como agora se diz), e sobre a forma como isso prejudica os mais pobres e mais necessitados, aqueles que não podem ir a um médico privado para se tratarem. Ou sobre o facto de alguém, mesmo que tenha uma prescrição do SNS para um exame médico, não poder fazê-lo pelo SNS. Como é que fazem os que não têm acesso a cunhas e mesmo assim precisam de se tratar com urgência para tentarem salvar as suas vidas? As vidas não têm todas o mesmo valor?

Atrevo-me ainda a dizer que, mesmo na moral Cristã, não é nada evidente que se possa avaliar a moralidade de uma ação apenas pelos resultados finais. Há princípios éticos e morais que não podem ser ultrapassados. E neste caso, mais uma vez refiro, nem é nada líquido que o resultado tenha sido o que D. José Ornelas diz que foi.

O que sabemos é que, por causa dessas cunhas, há sempre quem vá ficando para trás nas intermináveis listas de espera.

Não! Não há corrupção boa!”

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