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Edição 508

Em Memória das Vítimas de Auschwitz

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atanagildolobo

Faz 19 anos que percorremos o Campo de Concentração Nazi de Birkenau-Auschwitz, situado na cidade polaca de Oswiecim, o maior inferno que já alguma vez existiu neste planeta. O 70.º aniversário da sua libertação ocorrido esta semana justifica a presente crónica. À entrada, lia-se:«Vai entrar num local de horror e tragédia excepcional. Comporte-se com dignidade, de forma a prestar homenagem àqueles que aqui sofreram e aqui morreram».No monstruoso sítio foram ceifadas 1,5 milhão de vidas de muitas nacionalidades, raças e etenias. O monumento é, pois, de todos e a todos respeita. Existe para não se esquecer, ou não fosse curta a memória dos homens. No cenário, existem diversos arruamentos, casas, câmaras de gaz, celas minúsculas, grandes pavilhões. Tudo circundado por três vedações de arame farpado, electrificadas, culminadas por uma parede alta de pedra. Nas casas e pavilhões existem quilómetros de latas de graxa, escovas de dentes, pincéis de barbear, toneladas de sapatos, quilos de óculos, muitas malas de viagem. Objetos pessoais dos presos. Centenas de próteses das experiências “médicas“. E, sobretudo, milhares de fotografias. Documentos de um relato histórico inacreditável que é vergonha de toda a Humanidade. Irreal aquela fotografia de uma pequena orquestra sinfónica de presos, tocando em pleno campo, tendo como assistentes os outros irmãos presos, que me comoveu sobremaneira. Lembrei-me de Viktor Ullmann, grande compositor e músico, a quem um dia a história da música fará justiça. Em Terezin, para onde foi deportado, criou a Oficina de Música Nova. Tinha 44 anos. Ullmann ali escreveu a ópera O Imperador da Atlantida. A história de um velho soldado que recusa servir os caprichos de um imperador louco. A caricatura de Hitler. Nunca lhe foi possível levá-la à cena em Terezim. A censura proibiu-a. Mas ouviram-se páginas interditas de Mahler e Zemlinsky. O maestro Rafael Schaechter montou o Requiem de Verdi. Uma verdadeira odisseia. Alguns Oficiais SS, conhecedores de música, ficaram parvamente embasbacados. Nunca tinham ouvido os acordes iniciais da 5.ª sinfonia de Beethoven intrometerem-se e misturarem-se no Requiem de Verdi, nem tão pouco aquele Libera me cantado a ouvir-se Libera nos, apelativo de liberdade e justiça. Autênticos e corajosos rasgos que fazem parte da história dos valentes homens presos em Terezim. O comandante de Terezim, cumpriu a promessa de não separar os presos que faziam parte daquele grupo musical. Em 1944, entraram todos nos vagões do comboio rumo a um destino desconhecido. Viktor Ullmann fazia parte do grupo. Tentou levar as suas composições, mas não teve o necessário consentimento. Ignorava que ia para Auschwitz em viagem sem regresso. Outra foto, verdadeiramente cruel, representa 4 rapariguinhas ciganas, completamente esqueléticas, vítimas das experiências médicas do torcionário Josef Mengele. Depois há as imagens dos guetos, das câmaras de gaz, de corpos esqueléticos, sem vida, amontoados em valas comuns, dos fuzilamentos sumários, dos que eram assassinados nas câmaras de gaz, através do “Zyklon.B“. Tinham uma morte horrível. Uma morte lenta, de autêntica aflição. Trepavam uns por cima dos outros, agarravam-se desesperadamente a tudo, em busca de ar e da vida, podendo ver-se marcas de unhas humanas nas paredes interiores dessas câmaras de gaz.

            A 3 Km, situa-se o campo de Birkenau. Vasto campo de terror. As construções destinadas aos presos não passavam de barracões de madeira, onde proliferava toda a espécie de fungos e bicharada. Dividiam-se em “gaiolas“ onde dormiam 7 presos. A temperatura baixíssima do inverno, a escassez de água e alimentos mataram milhares de vidas de malária e de tifo. Outras à fome e à sede. As mulheres cumpriam mais de 12 horas de trabalho-escravo. Muitas, chegavam a ver morrer os seus bebés, antes de também serem executadas.

            Seguimos por aquela estrada recta, paralela à linha do comboio que trazia os presos, no interior do campo de concentração, até chegarmos ao monumento em memória das vítimas, escrito em diversas línguas. Uma idosa de face enrugada, cabelos brancos e bengala na mão, virou-se e inicia o seu regresso. As lágrimas desciam-lhe pelos sulcos sofridos do rosto, sob os olhos perturbados pela memória. Olhou-nos. Subitamente cambaleou. Amparamo-la e abraçamo-la. Por momentos, só se ouvia o silêncio e a ligeira brisa. Tentei dizer qualquer coisa. Mas, engoli em seco, nada me saia e mantive-me calado. Não sei a sua nacionalidade. Se era descendente de presos, ou se teria sido prisioneira. Também não interessa. Sentia uma profunda comoção por ali se encontrar. Memórias nefastas de uma vida mutilada pela dor. Passados alguns segundos retribuiu o carinho com um beijo e murmurou um dziekuje (obrigado em polaco), e afastou-se sem nunca olhar para trás.

Este quadro de Birkenau-Auschwitz perfeita incredulidade terminou há 70 anos e foi obra da ganância, do egoísmo, do poder, do querer dominar tudo e todos. Porquê e para quê?             Obra do homem. Contra o Homem. O seu autor: O nazi-fascismo germânico e seus aliados diretos, a Itália de Mussolini e o Japão e sempre com os apoios de Franco e de Salazar. Apesar das tentativas ocidentais de omitir a história, foi o heroico exército vermelho que libertou o campo e os prisioneiros. Corria o mês de Janeiro e fazia cerca de 20 graus negativos de temperatura. O coronel Vasily Petrenko, comandante das tropas soviéticas, teve de receber tratamento médico. Nas suas andanças, o oficial vira gente com fome, os seus camaradas carbonizados, civis enforcados e empenhara-se nas piores batalhas. Mas não estava preparado para Auschwitz. Nunca recuperou. Questionava-se, em autêntico delírio, o que faziam ali tantas crianças, no meio da guerra. Percebeu que estavam para morrer e que os seus soldados pisavam cinzas de centenas de milhar de homens, mulheres e crianças, despejadas pelas chaminés dos crematórios de Auschwitz.

Em memória dos homens, mulheres e crianças que pereceram e sobreviveram em Birkenau-Auschwitz e em todas as latitudes e longitudes, vítimas da ganância do homem, são estas linhas de escrita. Ouça-se, pois, O Requiem Polaco de Penderecki: Em Memória das Vítimas de Auschwitz.

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