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Edição 508

O estado social vergado aos ditames do poder

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Joao mendes

Começo a escrever estas linhas às 08.30 horas, sentado na sala de espera do Posto Médico da Trofa, enquanto espero pela minha vez para levar a vacina do tétano. À minha frente, na fila de admissão, um senhor desiste, em aparente desespero, de tentar uma consulta perante a impotência da responsável da admissão de pacientes que lhe explica, calmamente e sem margem de manobra, que não há nada que possa fazer porque o centro não consegue dar resposta às necessidades da população.
A imagem que trouxe do Posto Médico é o espelho de um país que assiste ao galopante desmantelamento do seu estado social. Um desmantelamento que não é inocente e que já faz vítimas, que o digam as várias pessoas que têm morrido nas últimas semanas nas urgências de diferentes hospitais portugueses. Será normal que isso aconteça? Sim, é normal. Um paciente pode chegar às urgências numa fase em que pouco ou nada haja a fazer. O que não é normal é que esse paciente esteja nove horas para ser atendido, seja deixado à sua sorte numa maca no meio do corredor sem comer e sem a atenção devida que, no caso específico de Maria Vitória Moreira Forte, de 89 anos, resultou no esvaziamento total da bomba de oxigénio que auxiliava a sua respiração, situação detectada pelo filho, o mesmo filho a quem foi dito, por volta das 01.30 horas desse dia, que não poderiam dar alta à sua mãe mas que também não a poderiam internar por falta de camas. Maria acabaria por falecer meia hora depois.
É assustador perceber que determinadas opções políticas podem influenciar a vida ou a morte de uma pessoa. O caso de Maria choca não só pela negligência mas principalmente pela crescente incapacidade do SNS em responder às necessidades dos portugueses. A culpa é da austeridade, é o ajustamento. Tretas! São opções de políticos, nada mais. Opções de políticos que resgatam bancos com o dinheiro dos nossos impostos. Opções de políticos que mantêm privilégios das suas castas opulentas com o dinheiro dos nossos impostos. Opções de políticos que, perante o caos nas urgências portuguesas, chegaram à conclusão que terão que delegar no privado. Usando para isso o dinheiro dos nossos impostos, claro. Opções de políticos que, tal como o Secretário de Estado social-democrata Agostinho Branquinho, têm interesses a defender no sector privado de saúde.
O ímpeto “fundamentalista” deste governo, que não parece ter descanso enquanto não privatizar todos os “anéis” que Passos Coelho prometeu na campanha de 2011 não privatizar, é toda uma agenda em si. Apesar da propaganda, apesar do descaramento de afirmar que se salvou o SNS, a realidade está à vista de todos. Do Posto Médico da Trofa ao Hospital Garcia de Orta, do SNS aos outrora lucrativos CTT, o foco parece ser descredibilizar os principais serviços públicos e oferecê-los, por tuta e meia, aos privados do costume, que retribuem com confortáveis cadeiras. Um exemplo ilustrativo é o de José Luís Arnaut, antigo ministro de Durão Barroso e sócio-gerente da firma de advogados CMS Rui Pena & Arnault que participou activamente na privatização da ANA, vendida à francesa Vinci, e dos CTT, vendida parcialmente ao banco Goldman Sachs. Após as privatizações, Arnault foi “convidado” a presidir à mesa da Assembleia Geral da ANA e nomeado para o conselho consultivo internacional do Goldman Sachs. Parece fácil não parece? E olhem que é. Basta estar no partido certo e ter os amigos certos no poder.

“O autor escreve ao abrigo da língua portuguesa que aprendeu na escola”
João Mendes

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