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Edição 514

CRÓNICA: Contradições de um caloteiro moralista

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Joao mendes

É possível que, no final da década de 90, Pedro Passos Coelho não sonhasse sequer que um dia seria primeiro-ministro. De outra forma, as diferentes falcatruas que têm emergido, da Tecnoforma e do mal explicado caso das funções parlamentares exercidas em peculiar regime de exclusividade até aos esquemas subversivos que o levaram à liderança do PSD e ao cargo que ainda ocupa, que segundo a entrevista dada por Fernando Moreira de Sá à revista Visão em Novembro, envolveram “desgastar” Manuela Ferreira Leite, preparar tweets para “complicar a vida de (Paulo) Rangel” no debate televisivo, utilizar perfis falsos no Facebook e, entre outros, manipular espaços de debate como o Fórum TSF, teriam possivelmente sido geridas de outra forma.

O mais recente sketch de Passos Coelho foi a descoberta do seu calote fiscal à Segurança Social (SS). Chegou a ser deprimente assistir ao espectáculo degradante de desculpas esfarrapadas do primeiro-ministro: num primeiro momento, afirmou desconhecer uma lei que, enquanto deputado, aprovou no Parlamento, o que implicaria, caso fosse competente no exercício das suas funções, conhecê-la. Num segundo momento, Passos adoptou o discurso épico e patético de Cavaco Silva quando este achou por bem dizer a um país em profunda crise que a sua reforma de 10 mil euros não era suficiente para pagar as suas despesas (que de resto são quase integralmente pagas com os nossos impostos), enveredando por um novo conjunto de desculpas anedóticas que incluiu a tão humana distracção e a falta de dinheiro. Se a primeira até é compreensível, a segunda só pode ser uma afronta às dificuldades sentidas por tantos portugueses que, em alguns casos reportados pela imprensa, têm visto bens e salários serem penhorados por dívidas de cêntimos à SS.

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É caso para dizer que, tal como os truques ilusionistas com que enganou os portugueses na campanha para a últimas Legislativas, também o falso moralismo traiu Passos Coelho. Estamos a falar do mesmo homem que aproveitou a prisão de Sócrates para relembrar o país que “os políticos não são todos iguais”. O mesmo que um dia afirmou pertencer “a uma raça de homens que paga o que deve”. O tal que pediu aos portugueses “orgulho” nos sacrifícios e que insiste permanentemente no imperativo de “honrar as nossas dívidas”. O moralista que, no último congresso do PSD, proferiu as seguintes palavras:
“Há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam. Porquê? Porque não declaram as suas actividades. Ora nós temos obrigação de corrigir estas injustiças. Não há nada mais social-democrata do que isso, porque aquilo que devia orientar um princípio de social-democracia é a igualdade de oportunidades. Não é o privilégio, mesmo o pequeno privilégio. Se há quem se ponha de fora das suas obrigações para com a sociedade, sendo muito ou pouco, esse alguém está a ser um ónus importante para todos os outros que têm um fardo maior.”

Passos Coelho, esse “fardo maior”, foi apanhado na sua própria armadilha. Ao colocar a tónica num discurso moralista, puritano e castigador, o homem que é a face mais visível de um governo que impôs uma carga fiscal brutal e implacável aos portugueses, apesar de ter insistido em 2011 que não era esse o caminho, revelou afinal ser uma “cigarra” que se esconde atrás de desculpas “piegas”. Um falso moralista que não honrou os seus compromissos. Um caloteiro que agora pede uma maioria absoluta ao país.

 

(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

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