Edição 775
Escrita com Norte: Quase, quase
Leopoldina, nascida nos anos 50, quase nova, com a marca de “solteira” gravada pelo destino cruel que levou a sua grande paixão, o Lima, que deixou de escrever as lindas cartas de amor, que mesmo sem se conhecerem a cativou com as palavras doces, confessou à sua melhor amiga:
– Estou a viver um grande amor! Ele chama-se Lima. Não tarda vou casar!
– Quem?! – pergunta a amiga, que com a Leopoldina partilha as mesmas amizades e pessoas conhecidas.
– É um rapaz que não conheço, que gosta de mim e carinhosamente me trata por Gustinha! – responde, tentando esconder o sorriso por trás da timidez.
As cartas deixaram de aparecer, quando o Silva, carteiro das 8 às 16, de segunda a sexta, e alcoólico, de segunda a domingo, desde que acorda até se deitar, foi despedido, e as cartas de Lima, com destino à caixa de correio de Gusta, passaram a ser entregues no destinatário correcto.
Por alturas de Outubro, mês em que o Silva festeja a última bebedeira paga com o ordenado dos CTT e Leopoldina recebeu, por engano, a última carta de Lima, esta relembra, ano após ano, que quase casou e festeja soltando um suspiro seguido de um “ai, ai!”.
Juntou quase uma fortuna, desde que recebeu a primeira carta de Lima, depois de Silva ter bebido três cervejas a acompanhar um café com cheirinho, até à última, para o arranque da vida de casada.
Desde há quarenta anos, faz todos os dias úteis o mesmo percurso, a pé, para o local de trabalho. De tanta ida e volta, os sapatos rasos de Leopoldina estão marcados no passeio e todos respeitam estas marcas como se fossem uma passadeira válida apenas para ela.
Durante o tempo que passou entre as três cervejas a acompanhar um café com cheirinho e o despedimento de Silva, Leopoldina fazia este trajecto em passo acelerado e quase ficou em forma para o Lima…queria usar na noite de lua-de-mel um cuecão reduzido!
Sempre trabalhou no notário da terra (apesar de quase ter sido decoradora, o seu sonho, quando viu um anúncio no jornal), e há tanto tempo, que sente que foi prometida pela mãe para aquele trabalho. “Ainda bem!”, relembra-se amiúde, caso tivesse sido prometida ao filho de um casal qualquer, nunca teria vivido a grande estória de amor.
Como quase foi mãe, caso tirasse o cuecão reduzido na lua-de-mel se o Silva não tivesse sido despedido, sente-se por isso abençoada e com jeito para as crianças. Sempre que um casal amigo quer passar um serão romântico, na cervejaria “Albuquerque” a comer uma francezinha e a beber uma cerveja, ela oferece-se para tomar conta dos petizes.
Nestes serões com as crianças, gosta de falar de si, elas ouvem atentas e, pacientes, escutam a vida quase feliz de Leopoldina!
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