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Escrita com Norte: Passeio a Santo Tirso

Num passeio normal, com rebeldia faz de conta, houve um momento mágico!

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Era final de tarde.

Chegado a casa do trabalho, olho à minha volta com as mãos à cintura e, naturalmente, esboço um sorriso, só para um dos lados, como quem teve uma trombose, mas no meu caso num sinal de malandrice e libertinagem que ainda mantenho aos 49 anos e penso, “Ainda és um rebelde, Velhinho! Vai dar um passeio”.

Terminado o pensamento, uma borrifadela de perfume e saio de casa…e começa aquilo que começou várias vezes durante o dia, a chover. Arranco e sigo a rua sem saber aonde ir, entreguei-me ao destino, e lembrei-me que destino rima com casino – “É isso, vou ao casino da Póvoa”, pensei, mas, quando me preparava para dar o pisca para a esquerda, espirro e curvo para a direita, dou o pisca em concordância e uma placa dizia “Santo Tirso”… lá fui.

Chegado ao meu destino, estaciono o carro e quando o desligo, lá em cima, também se desligou algo e parou de chover. Olho para o meu guarda-chuva e penso, “Levo-te ou não?”.

Com aquele sorriso, que já sabem qual, num sinal de audácia ou tremenda estupidez, digo-lhe – Vais ficar. – e saio do carro sem nenhum sítio para onde ir, a ideia era apenas passear.
Num momento do passeio recomeça, aquilo que practicamente não deixou de acontecer, a chover.

– Afinal fui estúpido! – digo, a lembrar-me do guarda-chuva no carro.
Atravesso a rua e entro na pastelaria mais conhecida lá do sítio, a “Moura”, onde toda a gente vai comer “Jesuítas” e eu fui tomar café.

Por detrás do balcão as três senhoras do costume, entradotas na idade, cabelo armado pela melhor laca e com um sorriso de meninas que imagino ser o mesmo de há décadas.
Perante a sala vazia, tive dificuldade em escolher mesa. Uma quarta senhora, entradota de idade, mas mais nova do que as outras, esperou que eu parasse de deambular, o que aconteceu quando me sentei na mesa ao lado da de uma miúda gira, que entretanto tinha chegado.
Pedi um café e, enquanto o tomava, como a miúda gira não olhava para mim, perdi-me a olhar para as três senhoras mais velhas por detrás daquele balcão.

À minha frente as cores começaram a mudar, impôs-se o preto e o branco, o balcão ficou antigo e por detrás dele estavam três meninas que, pelo sorriso, reconheci serem as senhoras, entradotas de idade, que pouco antes lá estavam. A miúda gira desapareceu e cá fora continuava a chover e apenas dois carros antigos estacionados. Via-se gente apressada a passar, eles, todos, de chapéu na cabeça e muitos de fato, cujos modelos só vejo em fotografia.

No salão, um corrupio de gente a entrar e a sair, onde todos se cumprimentavam com protocolo e faziam vénia às senhoras como manda (ou mandava) a boa educação. As mulheres não tinham tempo para ficar, mas eles, principalmente os que entravam de fato, todos eles cinzentos, tentavam um lugar ao balcão, para ficarem próximos das meninas, que se riam com o que eles diziam e lhes lançavam sorrisos. Após o café, as meninas, com jeito para o negócio e sabendo os rapazes encantados, perguntavam:

– E então, não come um “Jesuíta”?
Rendidos diziam que sim, alguns, vi, contavam os trocos sem darem nas vistas, não tivessem de dizer:

– Obrigado, mas agora não, estou cheio!

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Com o olhar mais atento, em momentos diferentes, entraram três rapazes, para quem cada uma delas, sem perder o sorriso e as gargalhadas, o olhar se rendeu…mais nenhum rapaz ou senhor, que entrasse naquele salão, teria esperanças com aquelas raparigas por mais “Jesuítas” que comessem!

Desviando o olhar do que acontecia à minha frente olhei cá para fora, quando o último dos três rapazes saiu. Tinha parado de chover.

Quando devolvi o meu olhar para o interior, o balcão era a cores e atrás estavam as três senhoras, entradotas na idade, e, na mesa ao lado, a miúda gira, sem o sal daquelas velhinhas, cujas gargalhadas perduram no tempo.

Levantei-me, sem olhar para a miúda gira, e, ao pagar o café, alguém entra e o olhar da senhora que me está a atender, rendeu-se. Ao virar-me para sair, vejo um senhor antigo, com a mesma postura do último rapaz que vi a sair!

Cá fora, apresso o passo em direcção ao carro enquanto não chove e recomeça a chover. Entro, olho o guarda-chuva e, antes de arrancar em direcção à Trofa a uns delinquentes 50 km/hora, refaço a mim mesmo a pergunta – Audaz ou estúpido?

Num passeio normal, com rebeldia faz de conta, houve um momento mágico!

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