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Edição 596

E apenas lhe falta dizer que “os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço”

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A alteração da correlação de forças na A.R. em consequência das últimas eleições legislativas e a formação de um governo PS, fruto de posições conjuntas deste partido com PCP, BE e PEV, geraram uma reação já há muito não vista de anticomunismo primário. Proliferam as crónicas «do fim do mundo», da «vinda do diabo», «da falta de liberdade», dos «horrores da ditadura comunista». Assim aconteceu também neste órgão de comunicação social. Crónica que ficaria sem resposta, se ela não refletisse insultos de cliché, afirmações gratuitas e muitas inverdades. No fundo trata-se apenas de propaganda capitalista, sem qualquer inovação, desprovida de criatividade. Desde sempre o capitalismo, para forçar o seu credo, justificar os seus crimes e delitos sangrentos, alega ideais generosos: defesa da democracia, da liberdade, luta contra a ditadura comunista, defesa dos valores do Ocidente. As suas vozes nunca se levantaram, nem levantam contra a destruição do Vietname, o genocídio indonésio, as atrocidades perpetradas na América Latina, o golpe de Pinochet (um dos mais sangrentos), a execução dos sindicalistas turcos. Por isso enchem a boca com Budapeste mas não com a Argélia, com Praga, mas não com Santiago. Anafam-se com processos de Moscovo, KGB, Gulag, J. Satlin, mas nunca denunciaram os crimes do capitalismo em África, dos massacres na Somália, na Libéria, no Ruanda, Burundi, Serra Leoa, Congo/Zaire, o apartheid da África do Sul, as vítimas da fome da Somália e da Etiópia e, recentemente, as intervenções no Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, com milhões de vítimas. Omitem propositadamente o facto de o nazi-fascismo ter quebrado a espinha dorsal e perdido a guerra na frente leste e de ter sido o Exército Vermelho que tomou rua a rua, esquina a esquina, Berlin, pondo fim ao nazismo e libertado todos os prisioneiros dos campos de concentração do oriente (só Auschwitz-Birkenau e Chelmno já contavam cerca de 2 milhões de mortos), salvando milhares de vidas.
A única originalidade da mencionada crónica é afirmar que «os comunistas portugueses» controlam grande parte do aparelho de Estado e da comunicação social. Duas patranhas que, de tão mirabolantes, ninguém nelas acredita.
Depois, segue-se um debitar em catadupa de imputações à URSS e ao comunismo, sem qualquer rigor histórico, desprovido do contexto, mera propaganda, com conclusões alucinantes e torpes. Nomeadamente a de que aqueles que são, segundo o seu autor, «intelectuais, pseudointelectuais e outros que tais» «das esquerdas» em Portugal «devem-se considerar cúmplices da maior tragédia da história, ainda maior que a vergonhosa tragédia do nazismo». Será que o autor de tamanha desfaçatez pretende que os cristãos sejam cúmplices da tortura e assassinatos de milhões de vítimas ao longo de 2000 anos em nome de Deus através da inquisição, da escravidão, do colonialismo, do apoio a ditaduras e da pedofilia, que levou até recentemente o mais alto dignitário do Vaticano a pedir perdão à humanidade? Poderemos condenar a doutrina cristã por esses crimes? Serão os seus seguidores atuais cúmplices desses delitos? Aplicando-se a mesma argumentação do autor da mencionada crónica, sim. Para mim, não. Poderão «os amantes das esquerdas» serem responsáveis pelos aspetos negativos que se verificaram na tentativa de “construção do socialismo”? O Homem, desde que se conhece, sempre lutou contra espécies de exploração e dominação. A revolta dos escravos de Espártaco, dos Lusitanos de Viriato, a revolução de 1383/85, a comuna de Paris, a revolução francesa, a revolução russa e o 25 de Abril de 1974 representam, entre muitas outras, pequenas fases da vida da humanidade de tentativas de implementar sociedades mais justas e igualitárias. Não conseguiram, é um facto. Mas entretanto, foram determinantes para o fim da escravatura, da servidão, do colonialismo, para a existência de mais direitos políticos, económicos e laborais. E a história da humanidade ainda não terminou, é outro facto. E até na política nacional se nota a diferença. Na «geringonça» discute-se em quanto se traduzirá o aumento das reformas e pensões. Na direita radical discutir-se-ia qual a dimensão dos cortes a fazer nas mesmas pensões e reformas.
Duas últimas ideias. O autor da crónica refere o «materialismo histórico», embora nada diga sobre a «luta de classes», mas desconhece o «materialismo dialético» que confere ao marxismo a sua dimensão dinâmica e não dogmática. Para a dialética, segundo Engels e Marx, nada há de definitivo, de absoluto, de sagrado, verifica-se a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas, existe um processo ininterrupto de transformação e de transição.
Sobre a liberdade, é sabido que o PCP foi durante 48 anos de ditadura fascista o principal motor de oposição e de luta nas «campanhas eleitorais» desse tempo, nas lutas e greves organizadas de diferentes setores, na luta pela liberdade e contra a guerra colonial e que os comunistas portugueses pagaram essa luta com centenas de anos nas masmorras e em muitos casos com a própria vida. Também outras pessoas de outros setores que compõem hoje a «geringonça» sofreram a ausência de liberdade e a prisão. Onde se encontravam na altura as forças politicas, de que o autor da mencionada crónica é apoiante, na luta pela liberdade?
À aludida crónica, e apesar da proposta do PCP para 2017 concretizar a distribuição gratuita dos manuais escolares para cerca de 370 000 crianças do 1.º ao 4.º ano de escolaridade, apenas lhe falta dizer que «os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço».

Guidões, 8 de Novembro de 2016

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