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Edição 544

“Os mais novos perguntam-me como é que, aos 40 anos, consigo correr o jogo todo”

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Para os adversários, Tiago é o “ranhoso em campo”. A expressão em nada tem que ver com problemas relacionados com secreções nasais, mas é uma metáfora por ser “extremamente chato” com os adversários. A personalidade dentro das quatro linhas valeu-lhe essa fama, mas também contribuiu para os êxitos que conquistou e a carreira que construiu. Depois de ter passado por vários clubes em Portugal e Espanha, o atleta de 40 anos está a cumprir a sétima época consecutiva no Trofense, onde quer “pendurar chuteiras”.

Sente-se comodamente e prepare-se para ler uma história com mais de 20 anos de futebol.

Tiago César Moreira Pereira nasceu a 4 de julho de 1975 e conta mais de metade da vida como jogador de futebol profissional. Assim como começa a história de todos os astros do futebol, o primeiro contacto de Tiago com a modalidade foi feito em criança. Na Rua Raúl Brandão, no lugar do Castêlo, em S. Martinho de Bougado, juntava-se com os amigos e jogava horas.

Depois, surgiu a oportunidade de vestir a camisola do Trofense. Os treinos, nas camadas jovens, faziam-se não só no estádio – ainda pelado – mas também noutros campos, em Santiago de Bougado ou S. Mamede do Coronado e até “na rua, em frente à Preh”.

“Andávamos sempre com a casa às costas, mas nem pensávamos nisso. Só queríamos era jogar e divertirmo-nos”, conta numa entrevista realizada numa divisão de sua casa que serve de museu pessoal e onde estão expostas fotografias em todos os clubes por onde passou e os troféus que colecionou ao longo de 22 anos de profissão.

A personalidade que construiu como jogador cedo começou a dar nas vistas. Ainda júnior, com 17 anos, foi chamado pelo treinador Edmundo Duarte a integrar o plantel sénior, que militava na 2.ª Divisão B. “Comecei logo a jogar e fiz um bom campeonato. Não me posso esquecer da colaboração dos mais velhos, como o Ferreira, atual responsável dos equipamentos da equipa, do Renato Pontes, do Amorim e do Pedro”, recorda.

A boa prestação ao serviço da equipa principal do Trofense não tardou a ser notada por outros clubes. Futebol Clube Famalicão e Vitória de Guimarães, ambos da 1.ª Liga, disputaram o médio, que acabou por optar por aquele que lhe dava “garantias” de “permanecer no plantel”. Assinou com a formação famalicense e foi por ela que se estreou no principal escalão de futebol português, no Estádio das Antas, num empate a zero com o Futebol Clube do Porto. Tinha 18 anos. “Estava a concretizar o meu sonho”, conta.

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O medo de aterrar na Madeira e o salto para a Luz

A primeira época em Famalicão ficou marcada pela descida à 2.ª Liga. A ligação com o clube prolongou-se por mais uma temporada até o treinador Raúl Águas, acabado de chegar ao Marítimo, querer que o médio voasse também para a Madeira. “Como o Famalicão fazia treinos em conjunto com o Paços de Ferreira, treinado na altura pelo Raúl, ele conhecia-me, daí ter apostado em mim”, explicou.

Apesar de “nunca ter pensado em desistir”, a adaptação à ilha “não foi fácil”, devido à distância “para a família e para a terra”. A ajuda de jogadores mais experientes acabou por ser essencial para cumprir duas temporadas ao melhor nível, em que assumiu o estatuto de “titular indiscutível” e ganhou o carinho da massa associativa.

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A ligação com o clube madeirense teve um fim inesperado. Com salários em atraso, Tiago optou pela rescisão por justa causa, alegando também “o receio de aterrar na Madeira”. “Eu costumo dizer que, na altura, a pista do aeroporto ainda era muito curta”, atirou, em risos, afirmando que “ainda hoje”, em campos de adversários, várias pessoas tentam desestabilizá-lo, gritando que o médio tem medo de andar de avião.

Terminado o vínculo com o Marítimo, Tiago não esteve mais de dois meses parado. “Sugiram algumas possibilidades e uma delas foi o Benfica, através do Manuel José, com quem já tinha trabalhado na Madeira. Não olhei para trás. Apesar de na altura estar numa fase instável, o Benfica é um clube com história e grandeza”, contou.

A estreia de Tiago pelas “águias” foi logo na vitória por 1-0 no dérbi com o Sporting, corria o ano de 1997. “Curioso que, ainda há dias, vi esse jogo na RTP Memória. Sim, eu já apareço na RTP Memória”, disse, entre gargalhadas.

Conseguiu ganhar um lugar na equipa até chegar o técnico escocês Graeme Souness. “Nunca mais me vou esquecer. Acabei a época (1997/98) em grande. Um mês antes, tínhamos vencido 4-1 em Alvalade e eu fiz um grande jogo e nessa semana, um jornalista questionou o Souness sobre a minha prestação e ele disse que eu era útil em qualquer equipa. Para meu espanto, no início da temporada seguinte, quando fazíamos estágio na Áustria, vieram-me dizer que eu era jovem, que precisava de rodar e que, por isso, ia ser emprestado. Foi um momento marcante para mim e ainda mais se tornou quando soube que sócios importantes do Benfica fizeram um abaixo-assinado para eu não sair”, referiu.
Tiago considera que foi vítima de lobby, uma vez que, na mesma altura, em que o clube era gerido por Vale e Azevedo, chegaram à Luz vários jogadores britânicos.

A ida para a Espanha e o início da relação com a U. Leiria

Tiago foi emprestado ao Rayo Vallecano que lutou pela subida à 1.ª Divisão espanhola. Diz o médio que, na altura, o segundo escalão naquele país se assemelhava à 1.ª Liga portuguesa, pois teve como adversários Atlético de Madrid, Sevilha e Bétis.

A equipa conseguiu o play-off de subida e diante do Extremadura venceu, nas duas mãos, por 2-0. “No segundo jogo, tínhamos 75 mil pessoas no estádio e eu marquei um grande golo. São momentos inesquecíveis”, recordou.

A estadia por Espanha estendeu-se por mais uma época, desta vez no Tenerife, onde não conseguiu repetir o feito de subir de divisão.

Regressou a Portugal, graças a Manuel José que, mais uma vez, depositou confiança no médio. Assinou pela União de Leiria e lá passou “dois anos fantásticos”, o segundo dos quais já sob a orientação de José Mourinho que, no ano seguinte o levou para o Futebol Clube do Porto.

Foi a envergar a camisola dos “dragões” que Tiago conquistou os troféus mais importantes da carreira: Taça Uefa, dois Campeonatos Nacionais, uma Taça de Portugal e Supertaça.
Mas no Porto, o médio nunca agarrou lugar e por isso não colocou “entraves” quando, a meio da época, o Leiria mostrou disponibilidade em ceder Maciel para Mourinho, desde que Tiago viesse em troca. Ficou até ao fim da temporada 2003/2004, para depois regressar ao Porto, não para envergar a camisola do “dragão”, mas para representar a “pantera”, às ordens de Jaime Pacheco. Ainda hoje, admite, “nutre uma simpatia especial” pelo Boavista, onde esteve até 2006/2007.

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O regresso à Trofa

As duas épocas seguintes foram passadas em Leiria, antes do regresso ao Trofense. Na segunda, Tiago já se tinha “oferecido” ao clube da Trofa, com o objetivo de cumprir o desejo de acabar a carreira no clube onde nasceu para o futebol. “Na altura, o Trofense conseguiu subir à 1.ª Liga e eu sentia que podia dar o meu contributo, mas não se proporcionou”, contou.

Sem ressentimentos, Tiago viria a regressar ao emblema da Trofa na temporada seguinte, já na 2.ª Liga. Já “trintão”, o jogador tinha o objetivo “de jogar mais três épocas”, mas a verdade é que já se passaram sete. “Não é muito vulgar competir com a minha idade e da forma como eu me entrego ao jogo. Às vezes, os jovens da equipa perguntam-me como consigo correr o jogo todo, mas a verdade é que ainda me sinto motivado, faço o que gosto no clube da minha terra e ainda me sinto com condições físicas e psicológicas”.

Sem falsas modéstias, Tiago sente que “ainda tinha capacidade de competir a outro nível”, mas está de corpo e alma no Trofense, num campeonato “completamente diferente do que estava habituado”. “Se fosse noutro clube, não me sujeitava a tanta coisa que estou a passar esta época”, atira.

O médio confirmou que abdicou de salário esta temporada e só não colocou um ponto final na carreira na época que passou, porque sentiu que “não merecia” e que tinha o dever de ajudar o clube, acabado de cair no Campeonato Nacional de Seniores.

Uma carreira onde só faltou a Seleção A

Apesar do mau feitio dentro de campo, Tiago fez “grandes amigos” no futebol. E até aquele contra quem mais gozo lhe dava jogar se tornou num companheiro. “Eu e o Paulinho Santos estávamos sempre pegados e o ambiente entre nós era de cortar à faca. Depois, fui encontrá-lo como colega no FC Porto e ficamos amigos”, recordou. Já o treinador por quem tem um “carinho especial” é Manuel José.

A rudeza em jogo valeu-lhe uma falsa fama junto dos adversários, conta. “Quando assinava por outro clube, os jogadores ficavam de pé atrás pelo tipo de pessoa que eu era a jogar. Só depois de me conhecerem é que me vinham dizer que nunca pensavam que eu, fora de campo, era completamente diferente”.

Na sala onde guarda todas as recordações – tem quatro capas onde estão organizados todos os recortes de jornais sobre a carreira – Tiago admite que a medalha e camisola que usou na Taça Uefa tem um grande significado. No entanto, mais especiais são os quadros com fotografias por onde passou, oferecidos pelo avô, já falecido.

E numa carreira recheada de êxitos, onde estão incluídas algumas internacionalizações na Seleção sub-21, só faltou mesmo a Seleção A. “Na altura, o leque de jogadores era enorme e era muito difícil chegar lá. Hoje, sem desmerecer os atletas, é muito mais fácil chegar à seleção”, defendeu.

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Quando “pendurar as chuteiras”, Tiago quer continuar “ligado ao futebol”.

 

“Há jogadores que só ganham para pagar a gasolina”

Perante a atual situação do Trofense, que não está a ter uma boa prestação no Campeonato Nacional de Seniores (CNS), Tiago manifestou-se “triste” com alguns comentários que surgem “nas redes sociais”. “Custa-me ver pessoas a acusar jogadores de só quererem dinheiro e não têm a noção, ou não querem ter, que há lá jovens que viram no CNS uma oportunidade para aparecer e só ganham para pagar a gasolina. As pessoas têm de perceber que, hoje, o Trofense vive numa realidade completamente diferente de há alguns anos e por isso faço um apelo para que sejam compreensivas”, frisou.

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