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Crónicas e opinião

Tesouros Locais: Vendas e Estalagens instaladas na Via Romana (Trofa e Famalicão)

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Durante o período da ocupação romana, Vila Nova de Famalicão e Trofa integraram o eixo viário que estabelecia a ligação entre Bracara/Cale, (Via XVI ) aproveitando as condições geográficas do rio Pelhe e a travessia do Rio Ave na freguesia de Lousado pela Ponte da Lagoncinha. A via seguia em direcção a São Martinho de Bougado”…como indica um marco miliário do tempo do Imperador Carino…”

Fruto desta herança, em Famalicão e Trofa, considerados já nesses tempos povoados de circulação, foram criadas condições de acolhimento ao longo do traçado viário que ligava Braga ao Porto. As estalagens e as vendas são o melhor exemplo para explicar a importância da circulação inter-regional para o desenvolvimento local. Na Trofa, ao longo do traçado viário, existem referências a inúmeras vendas, que remontam ao século XV, como refere o Prof .Napoleão Sousa Marques ao recorrer a um documento datado de “…a 8 de Junho de 1462, D. Afonso V dava bom acolhimento a uma súplica de Tomé Domingues, cidadão do Porto, e aí morador, que tinha uma venda que era em Terra da Maia, que se chama a Trofa. ( o autor referir-se-ia a uma Venda, que terá existido na Trofa Velha ?). Queixava-se Tomé Domingues que(a dita concorrência?) lhe retirava a clientela localizada(…) na estrada que vai do Porto para Braga.(…)”

De referir que os termos: “Vendas”, “Estalagens”,“Dormidas”ou ”Hospedarias”, designavam, para além de estabelecimentos que vendiam pão, vinho ou outro “comestível”, também casas que acolhiam os viageiros, ou eram locais onde estes descansavam ou pernoitavam, assim como os animais que os acompanhavam.
Pequena anotação sobre a antiga estalagem da Samogueira: “De uma outra estalagem, junto da fonte, resta o edifício sem adulterações de maior: portal de padieira rematada com pirâmides a ladear a cruz do meio, terreiro e varanda debruçada sobre ele. Aí encontramos há mais de meio século, escritas a lápis sobre a cal da parede, os nomes de escolares de Coimbra que lá se aposentaram, nos primeiros anos do século XIX. (Napoleão de Sousa Marques no seu livro “Ponte Pênsil da Trofa”, a páginas 72).

Houve uma estalagem na Carriça,(construída no último quartel do século XVII) que viria a ser muito conhecida por todos os viageiros que faziam o percurso Porto-Braga ao longo do século XIX, e que é descrita num conto intitulado “Miguel Ângelo de Santo Thyrso”, publicado no 4º volume da Revista Occidente(1881), do escritor Alberto Braga:” Ainda me lembro com saudades da pitoresca estalagem do Silva, na Carriça! Era uma casa de um só andar, isolada em meio de uns campos de milho, ao fundo dos quais havia um pinhal. Tinha à frente 3 janelas de peitoril e por baixo das janelas três grandes portas, por onde se entrava para a loja. Dum lado da casa via-se um ripado onde os galos cantavam ao meio-dia; do outro lado, ficavam as estrebarias, tendo ao correr uma verde ramada… Apenas chegava a diligência- e chegava aí pelo meio-dia, mais minuto menos minuto-aparecia logo à porta da casa o estalajadeiro-um homem grosso, vermelho, barba ruiva, pançudo, quase sempre em mangas de camisa, faixa à cinta e cachimbo ao canto da boca. Era o Silva. Havia sempre uma animação encantadora, como nas alegres estalagens de Teniers. Dentro do mostrador andava numa roda viva, daqui para ali, como pássaro de gaiola, a sobrinha do estalajadeiro. Era o encanto da casa, a rapariga. Tinha os cabelos pretos, olhos pretos, lábios de cor de cereja

Toda ela uma rapariga fresca, de grandes peitos , muito alegre. Nas mesas era sempre grande a algazarra, feita pelos almocreves e recoveiros que ali buscavam abrigo nas horas mais ardentes do dia, abancados no jogo, com grandes coporrões de vinho ao lado!”

No lugar do Padrão (actual união de freguesias de Bougado ‘S.Martinho e Santiago’), no local onde hoje existe o Restaurante Padrão, outrora, este edifício foi a “Estalagem do Padrão”. Na parede do referido restaurante, há ainda vestígios de “argolas “ que teriam serventia para prender os animais, afim de eles não fugirem, enquanto os seus donos descansavam da jornada ou tomavam algumas comidas e bebidas….

No século XVIII, a forte afluência de viajantes que circulavam na região, é também referida nas Memórias Paroquiais de 1758 pelo Abade Inácio Pimentel “… no lugar da Barca da Trofa, onde é passagem da estrada real que seria mui útil tivesse uma ponte por facilitar melhor a contínua passagem de toda a província do Minho…”

“A VELHA ESTRADA DOS CONVENTOS” (no Vale de Bougado)

Há cronistas que apontam ter existido uma “Estrada Real, ”Velha(na Idade Média-em pleno séc. XV), que fazia ligação entre o Convento de Santa Clara ( Vila do Conde), Mosteiro Beneditino de Vairão e o Mosteiro de São Bento (em Santo Tirso) e que a mesma via terá sido construída nas “margens do rio Ave”. Chamavam a esta via “carreteira”: por nesta velha estrada circularem pessoas e mercadorias entre os Conventos atrás referidos. Uma dessas “estradas reais”, vinda de Azurara… entrava no actual concelho da Trofa em Guidões, vinha junto ao rio, passava pelo Massaquil, Maganha, Bairros (junto às Alminhas), transpunha o ribeiro de Covelas (actual Rio Trofa) na ponte “ de pedra tosca”da Corredoura.

Por esta ponte, segundo descreve o antigo pároco de Covelas, reverendo José Pinto Meireles,”…passa … a antiga estrada que ia de Guimarães por Vairão e Azurara, e que por sua vez cruza com a estrada real do Porto a Braga, no lugar do Padrão.”(Nota: Esta ponte também ficou na história pela travessia das tropas napoleónicas, comandadas pelo general Soult, na II Invasão Francesa, em 1809.).

A “estrada do Convento” como era também apelidada, continuava marginando o Rio Ave, passava pelo “Fundo da Aldeia” da Lagoa (por detrás da Igreja Matriz de S. Tiago de Bougado), seguindo até ao lugar do Padrão, a escassos passos do lugar do Vau (antigo “porto” de Fromariz / continuaria (entrava) na “Via Romana XVI” que se dirigia para a Ponte da Lagoncinha e a partir daqui para o Mosteiro beneditino de Santo Tirso. De notar que as comunidades que quisessem ou tivessem necessidade de deslocar-se entre estes Conventos/ e Mosteiros tinham que pagar uma taxa pela utilização dessa “estrada”

PONTES ROMANAS DESTRUÍDAS(?) PARA SEREM “SUBSTITUÍDAS” POR OUTRAS?

Ao longo da Via Romana XVI (Bracara-Cale), no troço que atravessava o actual concelho da Trofa , existiram pelo menos 3 (três) pontes romanas:

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-A primeira situava-se na Trofa Velha,(Santiago de Bougado), foi construída pelos romanos sobre a ribeira de Sedões/Covelas (actual rio Trofa); foi demolida entre 1844 e 1846 para ,em seu lugar, ser construída outra para servir a Estrada Real Porto-Braga. Segundo Napoleão de Sousa Marques, em Cidade da Trofa-Duas Comunidades,…Um só Povo, “…Aquando da rectificação do perfil desse troço da velha estrada real, acabou-se com aquela descida e subida-de que restam vestígios no local- e por força do nivelamento pretendido, foi necessário construir uma nova ponte, que é a actual.

Demoliu-se então a velha ponte de arco de cantaria, e as suas aduelas, presumivelmente, foram aproveitadas”(?)” para o único arco da nova, que é o que se presume, tendo em devida conta os recursos da época. Pois foi ali que apareceram os miliários, ao ser demolida a ponte velha.”. Será que não existiu(e) mais nada (de interesse histórico), para além de 2 miliários, expostos ao público, (actualmente ) na Casa da Cultura?

-Uma segunda ponte romana situava-se em Real (São Martinho de Bougado), com o nome de Ponte Romana sobre o ribeiro de Real ou de Paradela. Esta foi também substituída por uma em betão, no ano de 1960…

-A terceira ponte romana foi construída sobre o ribeiro de Ervosa, (em território que durante várias centenas de anos terá pertencido à antiga paróquia de São Bartolomeu de Ervosa, e depois, território de São Martinho de Bougado… Ou de Lousado, presentemente?). Esta ponte chamava-se Ponte Velha sobre o rio(ribeiro) Ervosa…Também está quase “irreconhecível”, cheia de vegetação daninha…Terá sido a única que não sofreu qualquer “substituição/remodelação?!?!?!

Todo ESTE PATRIMÓNIO(que ainda subsiste ao longo do trajecto da antiga Via Romana XVI ‘Carriça-Lagoncinha’) que poderemos considerar com mais de Mil e Quinhentos anos de história, foi “deixado ao Deus dará”, e que só conheceu (no passado)o verbo “destruir”, não poderá admitir(pela positiva) outros verbos?: PRESERVAR,(os nossos monumentos históricos) REQUALIFICAR aquilo que AINDA FOR POSSÍVEL e sobretudo PÔR PONTO FINAL AO ABANDONO A QUE TEM SIDO VOTADO !

2ª INVASÃO FRANCESA… “DE TRISTE E MÁ MEMÓRIA”

Para memória futura, há que referir ainda um outro dado histórico, de um facto, ocorrido já no século XIX: Na 2ª (segunda) Invasão francesa operada pelas tropas comandadas pelo general Soult, a ponte da Lagoncinha foi palco de uma grande batalha , na manhã do dia 25 de Março de 1809. Vindos de Chaves, passando por Braga, em direcção ao Porto, os franceses pretenderam atravessar o Rio Ave por esta ponte medieval. As forças portuguesas tentaram opor-se “bravamente” à passagem das tropas napoleónicas, mas foram vencidas. Deste combate, o general francês anotou nas suas “Memórias” o seguinte registo: “ O inimigo estava entrincheirado na margem esquerda do rio Ave: as pontes estavam cortadas, e muitos canhões defendiam consideráveis entrincheiramentos. A minha coluna do centro foi obrigada a parar na Barca da Trofa ( outra batalha em defesa da mesma Barca). Teve de subir ao longo do rio para forçar a ponte da Lagoncinha, que estava erigida de barricadas. O 17º de Infantaria, comandada pelo general Foy, apoiado pela artilharia, levou de vencida todos os obstáculos, atirou-se para a margem esquerda e apoderou-se de toda a artilharia.”

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