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Escrita com Norte: Tudo gente normal

Circundo o Catulo, corto à direita, entro na Rua Conde de S. Bento, pensando que com sorte talvez arranjasse estacionamento logo no início da rua. Estacionei lá em cima, próximo da antiga linha, no único lugar vago…para deficientes!
Ao lado, pára o Sr António, paraplégico, à espera que eu liberte o lugar. Em vez de tirar o carro, desligo o motor e saio a mancar!

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A segunda-feira iria ser como qualquer outra…longe da sexta, não fosse aquele pormenor!
O despertador toca assinalando o meu momento de ódio ao mundo, durante sete segundos, e, como qualquer bipolar, salto da cama feliz por não me doer nada, e ter bracinhos, perninhas e tudo o demais que me faz parecer normal.
Saio de casa, fazendo o trajecto de sempre para o trabalho, mas não me cruzando na estrada com as pessoas que conheço há anos, sem saber quem são…devem estar de férias!
Chego à empresa e trabalho, saio da empresa e tomo o caminho para a Box Crossfit Vale do Ave.
Entro no parque de estacionamento, que me parecia cheio, e estaciono logo no primeiro lugar que aparece. Ao caminhar para a recepção verifico que podia ter estacionado mais próximo, havia mais uma dúzia de lugares vagos. Cheios, apenas os lugares para pessoas com deficiência.
Lá dentro, felizmente, todos me pareciam bastante saudáveis, principalmente uma ou outra “menina”.
“Os deficientes devem estar no café”, pensei!
No final, depois do treino, e ao dirigir-me para o carro, encontro o meu amigo Ricardo, utente da APPACDM e frequentador da Box.

– Olá Ricardo! Aquele carro é teu? – pergunto. Restava um nos lugares destinados a pessoas com deficiência.

– Não! Eu não conduzo. – responde-me a sorrir.

E ficámos ali, a conversar sobre miúdas, sobre as que ele acha “lindas como o sol”.
Despeço-me do meu amigo e preparo-me para o ponto alto do dia, o tal pormenor que fará esta segunda-feira diferente das outras, levantar um prémio do euromilhões, acontecimento raro na minha existência, só comparável à passagem de um cometa. A última vez que ganhei algo no jogo foi no Ciclo Preparatório, a brincar aos berlindes, ganhei cinco, mas o derrotado não os queria dar…bati-lhe!
Circundo o Catulo, corto à direita, entro na Rua Conde de S. Bento, pensando que com sorte talvez arranjasse estacionamento logo no início da rua. Estacionei lá em cima, próximo da antiga linha, no único lugar vago…para deficientes!
Ao lado, pára o Sr António, paraplégico, à espera que eu liberte o lugar. Em vez de tirar o carro, desligo o motor e saio a mancar!
Conforme vou descendo a rua, em direcção ao quiosque da Tina, por milagre, sem acreditar neles, a minha deficiência vai passando, estando em plenas condições físicas à chegada ao quiosque. Antes de entrar, olho para o lado, e aparcada num sítio identificado por um sinal com um boneco em cadeira de rodas, está uma jovem, “linda como o sol”, como diria o Ricardo, e, “coitadinha, não deve ter pernas”, pensei.
Fiquei a admirá-la, enquanto estava ao telemóvel. Ela saiu…afinal tinha pernas e andava!
Deve ser a isto que alguns amigos meus chamam de “deficiente de boa”! Com pena, e sem saber o que fazer, amparo-a, despertando a sua ira, e apercebo-me de que estava a sentir a renda do soutien. Largo-lhe as mamas e entro no quiosque.
Sempre com grande simpatia, a Patrícia diz-me:

– Bom dia, Calheiros!

– Olá Patrícia, bom dia! Tenho um prémio! – e entrego o bilhete do euromilhões.

– Pois tens! – e entrega-me os meus nove euros e quarenta e sete cêntimos…não foi preciso bater-lhe.

Feliz, e menos pobre, vou para o carro, onde por perto ainda está o Sr. António.

– Atrasado mental. – gritou-me.

– Até logo! – respondi-lhe.
A caminho de uma agência de viagens para marcar férias com o dinheiro ganho no euromilhões, vejo o Antunes, perneta, a discutir com o Melo, jogador da bola, com um penso no dedo a fazer valer a sua prioridade para ocupar um lugar de estacionamento!

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