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A Percepção de Distância Interpessoal e o Distanciamento Social na Pandemia do SARS-CoV-2

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A Proxémia, ou o estudo científico do uso humano do espaço, tem vindo a receber a atenção de investigadores das ciências cognitivas, revelando vários dos factores que afectam a natural regulação das distâncias interpessoais. Estas pesquisas revelam desafios e sugerem respostas à recomendação de distanciamento social.

Após encontrar o produto que procurava, num qualquer estabelecimento comercial, o(a) leitor(a) ocupa o seu lugar na fila para a caixa para pagar. Enquanto espera a sua vez, olha para o chão e apercebe-se de marcações, com fita adesiva colorida, que assinalam distâncias de 1,5 metros que deverão ser mantidas entre os clientes, como parte das medidas de prevenção para a propagação do vírus SARS-CoV-2. Por lapso da sua parte, está mais próximo(a) do cliente à sua frente do que o recomendado e, por isso, dá um passo atrás, guiando-se pelas marcações no chão.

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A situação acima descrita, que provavelmente lhe aconteceu pelo menos algumas vezes no último ano, traduz um dos desafios colocados à manutenção do distanciamento social no ainda actual contexto pandémico – a distância recomendada de 1,5 a 2 metros contraria os nossos comportamentos proxémicos naturais, de acordo com um artigo revisto por pares e publicado em Novembro de 2020 na revista científica Human Factors. Este artigo, redigido por Robin Welsch e Heiko Hecht, que nos últimos anos têm desenvolvido vários estudos acerca da percepção de distâncias interpessoais, elenca factores conhecidos e documentados na literatura da especialidade que poderão conspirar para a manutenção do distanciamento social recomendado.

A noção de distância interpessoal, e o termo proxémia (termo usado para descrever o estudo do uso humano do espaço), encontram a sua origem nos estudos de Edward Hall, antropólogo que, com base em observações naturalistas, distingue quatro regiões circulares, definindo áreas à nossa volta e naturalmente adoptadas por nós no âmbito de interacções sociais: Espaço Intímo (até cerca de 50 cm), reservado para interacções íntimas ou familiares; Espaço Pessoal (até cerca de 80 cm), dentro do qual permitimos a entrada confortável de amigos próximos; Espaço Social (cerca de 1 metro), adoptado para interacções confortáveis com estranhos; e Espaço Público (acima de 1 metro), reservado para o público em geral. A regulação, adopção e manutenção destas distâncias manifesta processos psicológicos, sociais e culturais relativamente automáticos (isto é, não requerem um esforço consciente e podem ser previstos 600 a 800 milissegundos antes da interacção), sendo que os valores adoptados não são rígidos – nalguns casos toleramos relativamente bem intrusões no espaço pessoal em contextos sobrelotados (e.g., num transporte público), conquanto seja algo temporário; há também flutuações interculturais, especialmente no que se refere ao espaço social, com estimativas entre os cerca de 70 cm, na Argentina, até cerca de 130 cm, na Roménia (para uma amostra portuguesa, a estimativa situa-se nos 110 cm).

Note-se, contudo, que a amplitude do Espaço Social, dentro do qual interagimos confortavelmente com um desconhecido, é consideravelmente menor que o distanciamento social recomendado. Estudos sobre proxémia e algumas investigações conduzidas durante a pandemia do vírus SARS-CoV-2 fornecem algumas indicações acerca dos factores que conspiram para a manutenção do distanciamento social e possíveis consequências resultantes do mesmo. Por exemplo, o desconforto experienciado na interacção com um desconhecido (e.g., quando pedimos indicações a um transeunte) aumenta rapidamente quando esta é feita a menos de 1 metro; quando a distância interpessoal é superior a cerca de 1 metro, o desconforto aumenta igualmente, ainda que mais lentamente. Quanto a interacção é feita a uma distância de 2 metros, o desconforto é equiparável aquele experienciado a cerca de meio metro. Sinais sociais, como o sejam as expressões faciais, o tom de voz e qualidade da comunicação, sofrem alterações concordantes quando interagimos com alguém a uma distância anormalmente longa: tendemos a exagerar, involuntariamente, expressões faciais, a modular a voz para uma tonalidade mais intensa e as frases são mais curtas e com menos palavras. Por outro lado, tendemos a adoptar distâncias sociais cerca de 13 cm maiores quando interagimos com pessoas com uma face zangada, em comparação com uma face alegre. Curiosamente, um estudo recente sugere que em interacções com pessoas com máscara cirúrgica tendemos a adoptar distâncias sociais cerca de 20 cm mais curtas, o que significaria que o uso de máscaras, como forma adicional de combate a pandemia, pode interagir com o distanciamento social, tido como uma das principais formas de diminuição da propagação do vírus.

A proxémia e o estudo dos factores que regulam a adopção automática de distâncias interpessoais, mais que explicar os eventuais lapsos na manutenção do distanciamento social durante a pandemia, oferece um conjunto de conhecimentos que podem e devem ser usados estrategicamente para antecipar e gerir desvios às recomendações oficiais. Por exemplo, sabemos que a distância interpessoal naturalmente adoptada varia inversamente com o tamanho percebido da divisão ou sala em que nos encontramos. Isto é, numa sala comparativamente menor, tendemos a adoptar uma distância interpessoal relativamente maior. Por outro lado, estudos sobre percepção visual têm consistentemente revelado que salas ou espaços mais profusamente iluminados, com paredes mais claras ou tectos mais altos aparentam ser mais amplas e espaçosas. Estes dados sugerem que a sinalética, sob a forma de cartazes e marcas no chão para guiar a regulação do distanciamento social, deverá ser mais saliente e frequente em espaços com essas características.

Nuno de Sá Teixeira

Nuno Alexandre de Sá Teixeira formou-se em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, e doutorou-se em Psicologia Experimental pela mesma instituição. Trabalhou como investigador doutorado no Departamento de Psicologia Experimental Geral da Universidade Johannes-Gutenberg, Mainz, Alemanha, no Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra e no Centro de Biomedicina Espacial da Universidade de Roma ‘Tor Vergata’, Itália. É actualmente Professor Auxiliar Convidado no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro. Os seus trabalhos científicos têm-se centrado no estudo da forma como variáveis físicas (em particular, a gravidade) são instanciadas pelo cérebro, como “modelos internos”, para suportar funções perceptivas e motoras na interacção com o mundo. Assim, os seus interesses partem da charneira entre áreas temáticas como a Psicologia da Percepção, Psicofísica e Neurociências.

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