Crónicas e opinião
Um bom acordo para a Trofa, um risco existencial para o futuro do PS
1 – Esta consumada a previsível mudança no xadrez político local. Afinal havia adultos na sala e necessária negociação foi feita. Falhada a abordagem ao TDT, a coligação Unidos pela Trofa virou à esquerda e chegou a acordo com o PS para a governação da CM da Trofa e das duas maiores juntas do concelho: Coronado e Bougado.
Tudo está bem quando acaba bem?
Será uma pergunta a responder dentro de quatro anos, idealmente. Será a confirmação de que o acordo funcionou, garantindo estabilidade governativa ao concelho. Este novo tempo exige soluções diferentes, inéditas, e a dispersão do poder, ainda que favorável ao PSD, criará duas esferas de influência, como é natural num acordo que envolve duas partes essenciais. Com a particularidade de que essas duas partes são, também elas, coligações de mais que um partido. Pese embora, na prática, se resuma a PSD e PS.
Espero, sinceramente, que este acordo seja o início de um novo tempo na Trofa, com mais estabilidade, uma aposta clara e tangível na cultura, que anda pelas ruas da amargura, mais dinamismo numa Trofa cada vez mais condenada ao estatuto de cidade-dormitório e mais atenção ao espaço público para lá das obras megalómanas no centro de Bougado.
Um tempo em que a velha promessa das creches municipais se concretiza, em que a carga fiscal sobre os trofenses – uma das mais pesadas a nível nacional – é finalmente reduzida, em que Estratégia Local de Habitação sai do papel e se torna em algo mais que propaganda enganosa, e em que as áreas industriais passam finalmente a ser uma realidade.
Que seja igualmente um tempo em que o autoritarismo do velho senhor, assim como os favorecimentos, os concursos públicos feitos a régua e esquadro e os ajustes directos para os amigos e companheiros de partido se tornem uma recordação de má memória. Foram anos demais a financiar os jobs de tantos boys e girls. E os trofenses têm mais que fazer do que manter cortes de avençados.
2 – Este acordo, concordemos ou não com ele, é uma prova de maturidade democrática num concelho que é jovem, mas participativo. Mas é também um acordo ainda algo opaco, na medida em que se desconhece o caderno de encargos apresentado pelo PS ao PSD, bem como a negociação que daí resultou. E isso levanta várias perguntas:
Que propostas da coligação Trofa em Primeiro avançam?
Que pelouros ficaram com os vereadores socialistas?
Que cedências serão feitas pelos Unidos pela Trofa?
Que implicações, se alguma, tem este acordo na arquitectura dos executivos do Coronado e de Bougado?
A colaboração vai estender-se as restantes freguesias?
E a pergunta que mais me interessa: haverá abertura para fazer uma auditoria independente e séria às contas da autarquia? Seria importante que acontecesse. Existem muitos negócios, facturas e concursos públicos por explicar. E os trofenses merecem verdade e transparência.
Muitas perguntas, poucas respostas.
Não percam os próximos episódios.
3- O acordo entre PSD e PS determina que a oposição ao novo quadro governativo ficará a cargo do TDT. O CH também entra nestas contas, por ter eleito representantes para a AM e para as AF do Coronado e Bougado, mas será o movimento liderado por António Azevedo quem marcará a oposição ao recém-criado bloco central local.
Esta condição poderá colocar, pela primeira vez, uma força que não o PSD ou o PS como alternativa à sucessão em 2029. E quem tem mais a perder, a meu ver, nesse cenário de sucessão, é o Partido Socialista, que ficará ligado a tudo do mau que acontecer ao longo dos próximos 4 anos. E se é certo que também poderá ficar ligado às coisas boas que acontecerão, todos sabemos que esses louros ficarão sempre na conta do presidente. Bem ou mal, é assim que as coisas tendem a funcionar.
A verdade é que o PS Trofa vive, desde sempre, numa condição difícil. Desde a falsa acusação de serem contra a criação do concelho, quando os factos deixam claro que os socialistas trofenses não se vergaram aos ditames do PS nacional aquando da criação do concelho, até à responsabilização de Joana Lima pela situação caótica nas contas que herdou do executivo Bernardino Vasconcelos, o partido tem dificuldade de se libertar da narrativa dominante, controlada desde sempre pelo PSD.
E se a sua condição é já bastante complexa, imaginem o que os espera se, lá para o final do mandato, algo correr mal. Se o PSD aproveitar a primeira oportunidade para deixar cair o parceiro e culpá-lo de todos os males da nossa terra, algo que, como sabemos, já funcionou no passado. O que restará nesse momento ao PS, perante o rolo compressor do PSD e com o TDT dono e senhor da oposição?
Muito provavelmente, o pior resultado de sempre da sua história.
Aliás, basta olhar para o que aconteceu ao CDS após o passismo ou a situação periclitante em que PCP e BE ficaram no final da Geringonça, para perceber o que costuma acontecer, neste país, aos junior partners de coligações pós-eleitorais.
4 – Quero deixar claro que o exposto no ponto anterior é uma análise, que vale o que vale. Porque, análises à parte, este que vos escreve defendeu e agora saúda este acordo. A Trofa precisava de adultos na sala e eles apareceram. E o que eu espero, para os próximos quatro anos, é que PSD e PS se entendam e trabalhem em prol dos trofenses, não das suas ambições pessoais, partidárias e eleitorais.
Acredito, aliás, que é mesmo possível um entendimento sério, com consequências muito positivas para o concelho. Mas isso não invalida que os riscos que sublinhei, para o futuro do PS Trofa, não sejam reais. Porque, de facto, são. E a concelhia do PS tem plena noção disso mesmo. Lembrem-se disso, da próxima vez que ouvirem alguém acusar o PS de ser “contra a Trofa”, enquanto faz de conta que não viu o tacho ou o concurso público viciado que favoreceu um dos seus heróis.
Artigo de Opinião de João Mendes


