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Edição 628

E depois da tragédia

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As imagens e informações que nos chegam das áreas afectadas pela tragédia de Pedrógão Grande chocam, revoltam e fazem-nos sentir pequenos, impotentes. Dezenas de mortos, centenas de feridos e desalojados, uma gigantesca área florestal ardida, casas destruídas, animais carbonizados, colheitas arrasadas, o pânico e sofrimento das pessoas, um cenário desolador. Ano após ano, a história repete-se. Eterniza-se.
Existem muitos culpados, sabemos quem eles são, mas daqui a umas semanas as massas acabarão por esquecer e virar a página. Como fizeram com os milhares de fogos de 2013 ou com o grande incêndio na Madeira do ano passado. E não, não o fazem por serem insensíveis ou más pessoas. Fazem-no porque a vida é uma correria, porque são inundadas de informação nova a cada minuto, porque o campeonato recomeça em Agosto, porque o Verão vai ser de poluição eleitoral, enfim, por uma mão cheia de razões. Lambem-se as feridas, enterram-se os mortos, a vida recomeça e a dor permanece apenas entre aqueles que verdadeiramente viveram o inferno das chamas.
O Verão termina, o Outono regressa, as temperaturas baixam e, no rescaldo de mais uma terrível época de incêndios, prometer-se-ão mundos e fundos. Mais equipamento para os bombeiros, mais meios aéreos, mais planeamento e maior capacidade de reacção. Todos os anos é assim. Independentemente do número de mortos, que este ano decidiu bater recordes, os anos passam, as rosas e as laranjas sucedem-se, tal como as promessas, e fica quase tudo na mesma. Tal como o encobrimento de responsabilidades ou a repugnante encenação política.
Como é possível que, com uma área florestal como a nossa, com um historial tão negro de incêndios, nada funcione quando é preciso? De que nos serve essa patranha política que é o SIRESP? Que valor tem as leis que, supostamente, deveriam funcionar, mas que a maioria ignora? E não nos venham com essas balelas de sermos um país pobre e coitadinho que não tem como reagir a uma catástrofe destas. Se há dinheiro para europeus de futebol, resgate de bancos corruptos, submarinos em segunda mão e obras faraónicas inúteis, como o aeroporto de Beja, a capital de um distrito onde nem uma auto-estrada chega, num país onde existem auto-estradas paralelas, não há-de ser por falta de dinheiro que não estamos bem preparados.
Não estamos bem preparados porque somos quase sempre governados por gente negligente e sem capacidade para exercer os cargos que ocupa. Carreiristas e afilhados, que gerem florestas desde Lisboa, e que por algum motivo não conseguem perceber a necessidade e a urgência de limpar as matas, de reforçar os meios ao serviço dos bombeiros e da protecção civil, de promover activamente a sensibilização e a formação, para evitar e reagir ao flagelo dos fogos florestais, e de criar uma estratégia integrada, um pacto de regime se necessário. Talvez seja uma visão excessivamente simplista, que na verdade pouco ou nada percebo disto. Sou mais um a ver pela televisão, ocasionalmente pela janela do meu quarto, quando o fogo decide dar o ar da sua graça no Monte de São Gens ou em Covelas. Mas não é por ser simplista que tudo isto deixa de ser tão real como as chamas que lavram no centro do país. Porque todos os anos os problemas são os mesmos, as falhas são as mesmas e o resultado, mais hectare, menos hectare, não difere muito. Tal como as desculpas e a desresponsabilização.
Depois da tragédia, choramos, limpamos as lágrimas e seguimos em frente. Mas não na direcção correcta. A menos que medidas drásticas e profundamente objectivas sejam tomadas, daqui a um ano estaremos novamente a chorar os mortos, a ver casas e hectares de floresta a arder, a gritar a nossa indignação nas redes sociais, onde a revolução é vigorosa mas não passa a fronteira do ecrã, e a assistir ao oportunismo habitual de todos os que lucram com a desgraça, até a sua própria. Precisamos de uma verdadeira revolução no sistema de prevenção e reacção aos incêndios, com um reforço sem paralelo de operacionais treinados e recursos financeiros, como se uma guerra se tratasse. Porque o combate aos fogos florestais é isso mesmo: uma guerra. Uma guerra à qual chegamos sempre mal preparados e equipados. Uma guerra que teimamos perder, por muita luta que os nossos bombeiros consigam dar.

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