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Correio do Leitor: Em defesa da desagregação de freguesias de Santiago de Bougado e S. Martinho de Bougado

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Os subscritores da proposta de desagregação, julgando interpretar o sentir da grande maioria dos habitantes de Santiago de Bougado e S. Martinho de Bougado, apresentam-se perante esta Assembleia com a firme certeza de que a agregação das duas freguesias foi um erro manifesto. Em 2012, era já essa a convicção de todos que assim seria. Assim o interpretaram os respetivos órgãos autárquicos chamados a pronunciarem-se sobre a matéria. As Assembleias das duas Freguesia foram muito afirmativas na recusa de qualquer agregação. Idêntica posição tiveram a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal da Trofa.
Sendo essa, em 2012, a posição das populações e dos seus órgãos representativos, em teoria, havia sempre a possibilidade de os objetivos consagrados na Lei de Reorganização das Freguesias virem a ser concretizados. Volvida quase uma década, já é possível avaliar que assim não aconteceu. Para nós é claro que, tendo em conta a avaliação que fazemos e que sustenta a proposta que aqui está em discussão, a agregação forçada não só não cumpriu os objetivos esperados pelos decisores políticos em Lisboa, como causou e causará, cada vez mais, graves prejuízos às populações das duas comunidades.

Quando falamos de prejuízos, não estamos apenas a olhar para dados meramente contabilísticos, vertidos numa espécie de relatório de atividades que fará muito sentido apresentar aos eleitores no final de um mandato, mas que pouco dirá sobre o que verdadeiramente importa para o que aqui está em causa.
As variáveis que devem ser ponderadas em matéria de tamanha importância para o futuro das duas comunidades não podem resumir-se, apenas, a questões meramente contabilísticas e de racionalização de custos. Não. Esta não é uma decisão menor. Na deliberação que aqui irá ser tomada têm de ser pesadas outras variáveis tais como a História, o sentir, a identidade, os problemas, os constrangimentos, os desafios, as oportunidades, as diferenças e especificidades, em suma, o que será melhor para cada uma das duas comunidades.
Pensar o contrário é estar do lado errado da História. E é na História que podemos encontrar inúmeros exemplos de que não pode ser de outra maneira. Que língua estaríamos a usar hoje, aqui, se na luta pela independência os nossos arquiavôs fossem movidos apenas por razões de deve e haver? Em que concelho estaríamos nós se a Assembleia da República tivesse atendido aos argumentos de Joaquim Couto tão iguais aos que a Junta de Freguesia de Bougado apresenta para se posicionar contra a desagregação das freguesias de Santiago de Bougado e S. Martinho e Bougado?
Embora respeitando, como se espera, a opinião da Junta de Freguesia plasmada no seu parecer, consideramos que este ignora absolutamente os fundamentos apresentados pelos proponentes, passando ao lado do essencial, do que verdadeiramente está em causa neste momento. Nesse parecer, vemos apenas a preocupação de mostrar que se procurou fazer o melhor na gestão e administração da União de Freguesias. Mas tal nunca foi posto em causa pelos subscritores da proposta. Pelo contrário, sempre procuraram atuar com respeito institucional e mesmo pessoal em relação à Junta da União de Freguesia de Bougado, evitando produzir julgamentos sobre a sua ação. Até porque sabemos não ser fácil gerir uma freguesia tão grande, com tanta gente, tão assimétrica, com tantas e tão diferentes necessidades, quando, para o efeito, se dispõe de tão poucos recursos. O que move os subscritores da proposta são razões estruturais e não conjunturais.
É justamente por causa dessas assimetrias, justificadas pela História mais longínqua e mais recente das duas comunidades, assimetrias que a Junta de Freguesia no seu parecer assume em toda a sua crueza, ao enfatizar que investiu muito mais em uma do que em outra, que os subscritores da proposta entroncam os argumentos apresentados em favor da desagregação. Acreditávamos que o processo seria natural e pacífico até porque tendo em conta a especificada do exercício do poder ao nível da freguesia, sabemos que administrar um território da dimensão e caraterísticas da atual União de Freguesias não é o mesmo que gerir um território menos extenso, onde há mais coesão, menos assimetria, menos gente, menos problemas e menos desafios, logo maior facilidade e proximidade no plano da sua gestão e da administração. E queremos acreditar que os membros desta Assembleia reconhecem que assim é.
Julgamos que estamos todos de acordo quando dizemos que Santiago de Bougado e S. Martinho de Bougado são duas comunidades muito diferentes. Diferenças que começaram no início de uma caminhada milenar, lá pelo século X. Não temos tempo para explicar historicamente o processo que levou a essa diferenciação. Fizemo-lo num extenso trabalho de mais de 150 páginas, que anexamos à proposta apresentada e que o parecer da Junta de freguesia quis ignorar.
Contudo, muito sumariamente, diríamos que é preciso ir lá atrás, recuar muitos séculos, à arrancada das duas comunidades para justificar essas diferenças. Santiago de Bougado era, desde então, terra reguenga, pertencia ao Rei. S. Martinho era quase toda propriedade do clero, repartindo-se pelos Mosteiros de S. Bento, Landim e pela Sé do Porto. E, assim, as duas freguesias se mantiveram até meados do século XIX. Durante praticamente um milénio, sendo geograficamente próximas, foram construindo identidades próprias, feitas de proximidade e complementaridades, é certo, mas também de oposição e diferenças. Diferenças entre outras, em matéria de padroeiros, na demografia, na riqueza produzida, no estatuto obtido, nos elementos identitários. Permitam-nos que destaquemos dois destes elementos, fatores de agregação dos Bougadenses de Santiago em momentos decisivos da História da Freguesia e até da região: um deles é a Igreja Matriz, desenhada por Nazoni, o arquiteto da Igreja dos Clérigos e construída na segunda metade do século XVIII; o outro a Companhia de Ordenanças de Santiago de Bougado, composta por um efetivo de 250 militares, todos de Santiago que enfrentaram, em março de 1808, corajosamente, mais de dez mil franceses na zona da Barca, sendo que não há evidências de que a Companhia de Ordenanças de S. Martinho Bougado e S. Mamede do Coronado tenha estado a seu lado.
S. Martinho de Bougado, a partir de meados do século XIX viveu um processo caraterizado por profundas mudanças económicas, demográficas, sociais e nas mentalidades, proporcionadas pela modernização de rede de estradas e pela chegada do comboio. Transformou-se, primeiro, num território industrializado, depois terceirizado por força do aumento da atividade comercial e da fixação de equipamentos e serviços de natureza pública e privada. O modelo de ocupação do território começou a mudar radicalmente, passando o seu miolo a receber prédios em altura deixando de ser uma comunidade rural para evidenciar caraterísticas próprias dos espaços urbanos.
Santiago de Bougado continuou até aos anos setenta do século passado a viver da agricultura, altura em que começaram a formar-se os núcleos industriais onde hoje estão instaladas importantes fábricas e empresas que geram elevadas receitas para o município e para o país. Contrariamente ao que aconteceu em S. Martinho, os férteis terrenos de aluvião permaneceram praticamente intactos e cultivados até aos dias de hoje. E assim irão permanecer, no futuro, por força da servidão imposta pelas Leis da Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional. E isso, embora se perceba, não deixa de criar fortes constrangimentos ao crescimento económico e urbanístico da freguesia, limitando as oportunidades de proprietários e agricultores. Urge transformar esse constrangimento em oportunidade, pois é o mínimo que podemos fazer por eles, mas tal não será possível se não concretizarmos a desagregação.
Ninguém ignora que a população de Santiago de Bougado está a diminuir e a envelhecer, com os custos sociais que se advinham, sem que se descortine qualquer intervenção específica para o problema. Andamos há mais de trinta anos a adiar a criação de respostas que possam ajudar a fixar os naturais, nomeadamente de equipamentos para os mais pequeninos e os mais idosos, os mais vulneráveis.
Sente-se nas gentes de Santiago a nostalgia pelo passado, mas também a descrença quanto ao futuro. O que gera apatia e conformismo e, em alguns, a vontade de partir. E com essas partidas Santiago vai ficando mais pobre. Alguns chegam a esquecer as suas origens. Já não sentem o que sentimos e o que sentia o Abade Sousa Maia quando, em 1913, escrevia estas palavras:
“Amamos o nosso torrão natal, porque sobre ele ensaiamos os primeiros passos, nele encontramos os nossos primeiros e melhores amigos, e porque somos para ele atraídos pela força irresistível de encantadoras recordações.”
Muito poderíamos apresentar para demonstrar quão diferentes são as duas comunidades e como essas diferenças justificam e exigem políticas especificas, só possíveis se cada uma possuir os seus próprios órgãos autárquicos. Não havendo mais tempo para tal fazer, deixamos apenas algumas notas finais.
Os subscritores da proposta olham com respeito para o passado das duas freguesias e acreditam que o futuro será melhor se voltarem a ter a autonomia administrativa que outros lhes roubaram. Se não podemos mudar o passado, podemos aprender com ele e fazer as melhores opções para os exigentes tempos que aí vêm. A decisão está nas nossas mãos, nas mãos dos membros desta ilustre Assembleia de Freguesia.
Permitam-nos que terminemos a nossa intervenção recordando palavras proferidos em 2012 pelo Saudoso Abade Padre Armindo que lá, no assento etéreo onde se encontra, estará, certamente, a olhar para nós, a velar pelos membros desta Assembleia no sentido de os inspirar a decidir o melhor para as duas freguesias:
“Bougado humildade. Bougado valentia. Bougado perseverança. Se assim fordes, continuais a ter o direito a ser chamados de Bougado Grande, que há-de ser, e oxalá que seja, ainda maior”.

Manuel Rodrigues da Silva

  • O texto aqui dado a conhecer destinava-se a ser apresentado na Assembleia de Freguesia de Bougado, realizada no passado dia 27 de outubro destinada a discutir e votar a proposta de desagregação das Freguesias de Santiago de Bougado e S. Martinho e Bougado. Lamentavelmente, a Presidente da Assembleia de Freguesia apenas concedeu três minutos para o efeito, impedindo, na prática, a sua apresentação. Para além dos aspetos legais, ao proceder desse modo, não permitindo que os respetivos membros conhecessem todos os argumentos dos subscritores da proposta, a Presidente da Assembleia de Freguesia não esteve à altura das responsabilidades que eram as suas estando em discussão matéria de tamanha importância para o futuro das duas comunidades.

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